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sábado, 19 de novembro de 2022

Parábola do Qatar


Os oito estádios do Mundial 2022

Era uma vez uma família que vivia num deserto muito, muito grande, numa casa muito, muito grande e muito, muito vistosa.

A família Qatar tinha muitos filhos e muito, muito dinheiro, pois era dona de muitos quintais com muito, muito petróleo e muito, muito gás.

Como a vistosa casa tinha muitos, muitos aposentos e estava novinha em folha, o pai Qatar decide organizar uma festa de arromba para inaugurar o seu novo arranha-céus-palácio.

Começou por escrever o nome de todos os convidados e, quando ia já num milhão de pessoas, concluiu que ao convite deveria estar apensa uma lista com as normas de conduta, pois havia muitos, muitos estrangeiros no rol dos seus muitos, muitos convidados, que iriam participar na tal festa de arromba.

Assim, pensou e, assim, o fez. O senhor Qatar pegou na sua caneta de ouro preto e começou a escrever numa folha de pergaminho:


«Na inauguração do meu arranha-céus-palácio, todos são bem-vindos desde que cumpram escrupulosamente as seguintes normas de conduta. A saber,


1. Os portões do meu arranha-céus-palácio estão vedados aos homens que gostam de homens e às mulheres que gostam de mulheres, pois a homossexualidade é ilegal e eu defendo a pena de morte para estes casos.

2. As mulheres que gostam de homens podem entrar, se tiverem autorização do marido, pai, irmão, avô ou tio.

3. Os convidados devem apresentar-se com dignidade, ou seja, ombros e joelhos cobertos com roupa. Tecidos transparentes, vestuário com alças e calções serão imediatamente confiscados. Os infratores pagam multa ou vão presos.

4. Os convidados não precisam de trazer telemóveis ou máquinas fotográficas, porque eu tenho tudo. Porém, se sentirem vontade de fotografar qualquer pessoa, qualquer paisagem, qualquer divisão do meu arranha-céus-palácio, é obrigatório pedirem-me permissão. Eu decido quem e quando pode fotografar. Cada caso é um caso. Os infratores pagam multa ou vão presos.

5. No dia da minha festa de arromba, os convidados devem evitar conversas sobre assuntos incómodos (violação dos direitos humanos, igualdade de género e afins) e, sobretudo, devem esquivar-se a manifestações de afeto (beijar, abraçar ou andar de mãos dadas é proibido). Os infratores pagam multa ou vão presos.»

A folha de pergaminho, rapidamente, foi replicada mais de um milhão de vezes, numa impressora XPTO, com acabamentos a ouro preto. No mesmo dia, mais de um milhão de envelopes foram enviados com os convites e respetivas listas de conduta. Tudo cuidadosamente manipulado, via CSSQ-Correio Secreto do Senhor Qatar. 

Na verdade, estranhamente ou não, no dia e hora marcados, mais de um milhão de pessoas seguiam rumo ao deserto muito, muito grande, porque queriam entrar numa casa muito, muito grande e muito, muito vistosa, para participarem numa festa de arromba.

Resta saber como decorrerá o grandioso evento no arranha-céus-palácio que é governado pelo senhor Qatar, um monarca absoluto, muito, muito convicto.

Mas isso ficará para os anais de outra história.


Isilda Monteiro

Fontes

https://www.rtp.pt/noticias/desporto/direitos-das-mulheres-no-catar-questao-silenciada-pela-fifa_v1447989

https://sicnoticias.pt/especiais/mundial-de-futebol/2022-10-28-Como--sobre-vivem-as-mulheres-no-Qatar--E-a-comunidade-LGBT---489fc616

https://sicnoticias.pt/especiais/mundial-de-futebol/2022-10-24-Mundial-2022-se-vai-ao-Qatar-cuidado.-Isto-e-o-que-nao-pode-mesmo-fazer-871b5ac1

https://www.dn.pt/internacional/tudo-o-que-precisa-de-saber-sobre-a-violacao-de-direitos-humanos-no-qatar-15365751.html


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